Retrato do Artista Quando Jovem - Cap. 5: V Pág. 239 / 273

A luz da manhã chegara inteiramente. Não se ouvia som algum; mas ele sabia que, à sua volta, a vida começava a acordar em ruídos vulgares, vozes roucas, orações ensonadas. Tentando fugir a essa vida, voltou-se para a parede, cobrindo a cabeça com o cobertor, como se fora um capuz, e fitando as grandes flores escarlates do delapidado papel da parede. Tentou aquecer a sua alegria periclitante ao seu darão escarlate, imaginando um caminho de rosas desde a sua cama até ao céu, juncado de flores escarlates. Cansado! Cansado! Estava cansado das ardentes vias.

Começou a invadi-lo um calor gradual, uma fadiga langorosa, provindo do capuz bem apertado e descendo ao longo da espinha. Sentiu-o descer e, imaginando o seu próprio aspecto, sorriu. O sono chegaria em breve.

Tinha voltado a escrever versos para ela, ao fim de dez anos.

Dez anos antes, ela usara o xaile sobre a cabeça, como um capuz, expelindo baforadas condensadas da sua respiração quente para o ar da noite, batendo com os pés sobre a calçada gelada. Era o último tramway; os cavalos castanhos e magros sabiam disso e sacudiam as campainhas, na noite límpida, como um aviso. O cobrador conversava com o cocheiro e ambos acenavam diversas vezes com as cabeças, à luz verde da lanterna. Eles seguiam de pé nos degraus do tramway, ele nos de cima, ela nos de baixo. Ela subiu várias vezes até ao seu degrau, entre as frases da conversa, e depois desceu e, uma ou duas vezes, tinha permanecido junto dele, esquecendo-se de descer, e só depois descia. Coisas passadas! Coisas passadas!

Dez anos separavam aquela sabedoria da infância da sua loucura actual. E se lhe enviasse os versos? Seriam lidos ao pequeno almoço, enquanto ela quebrava os ovos escalfados.





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