Retrato do Artista Quando Jovem - Cap. 5: V Pág. 240 / 273

Estava realmente louco! Os irmãos dela iriam rir-se e tentariam arrancar a página uns aos outros, com os seus dedos fortes e duros. O tio dela, aquele padre melífluo, sentado no seu cadeirão, estenderia o braço a todo o comprimento para ler a página, sorrindo e apreciando a forma literária.

Não, não, era uma loucura. Mesmo que ele lhe enviasse os versos, ela não os mostraria aos outros. Não, não, ela não faria ISSO.

Começou a pensar que a tinha julgado mal. A convicção da sua inocência quase o levou a sentir pena dela, uma inocência que ele nunca entendera até a ter conhecido através do pecado, uma inocência que ela também nunca entendera enquanto era inocente ou antes de a estranha humilhação da sua natureza ter surgido pela primeira vez. Só então a sua alma começara a viver como sucedera com a dele, quando pecara pela primeira vez, e uma terna compaixão encheu o seu coração ao recordar a frágil palidez dela, os seus olhos, humilhados e entristecidos pela obscura vergonha da sua feminilidade.

Enquanto a alma dele passara do êxtase ao langor, onde estaria ela? Talvez, tão misteriosos eram os caminhos da vida espiritual, a alma dela tivesse tido consciência, nesses mesmos momentos, da homenagem dele. Era possível.

Um fulgor de desejo incendiou de novo a sua alma, inflamando e enchendo todo o seu corpo. Consciente do seu desejo, ela acordaria do seu sono fragrante, a sedutora do seu vilancete. Os olhos dela, escuros e langorosos, abriam-se para os dele. A nudez dela entregava-se-lhe, radiosa, quente, fragrante e generosa, envolvendo-o como uma nuvem cintilante, rodeando-o como água com uma vida líquida; e, como uma nuvem de vapor ou como águas fluindo pelo espaço, as letras líquidas que compunham as palavras, símbolos do elemento do mistério, jorraram do seu cérebro.





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