Retrato do Artista Quando Jovem - Cap. 5: V Pág. 250 / 273

Mas não sabe que o é. É essa a única diferença que eu encontro.

Uma explosão de gargalhadas cobriu as suas palavras. Mas ele voltou-se para Stephen e disse, com súbita ansiedade:

- Este termo é muito interessante. É único no género em inglês. Sabia?

- Ai, sim? - perguntou Stephen distraidamente.

Estava a observar o rosto estóico de Cranly, com as suas feições duras, agora iluminadas por um sorriso de falsa paciência. O epíteto tinha passado sobre ele como água suja lançada sobre uma imagem de pedra antiga, resignada às injúrias; e viu-o tirar o chapéu, num cumprimento, descobrindo o cabelo negro que se espetava, hirto, a partir da testa, como uma coroa de ferro.

Ela saíra do pórtico da biblioteca e baixara a cabeça, diante de Stephen, correspondendo ao cumprimento de Cranly. Também ele? Não havia um ligeiro rubor nas faces de Cranly? Ou teria resultado das palavras de Temple? A luz declinava. Era difícil ver bem.

Isso explicaria o silêncio indiferente do seu amigo, os seus ásperos comentários, as súbitas intrusões de palavras grosseiras com que interrompera tão frequentemente as ardentes e caprichosas confissões de Stephen? Stephen desculpara francamente tudo isso, porque também existia essa rudeza dentro de si. E recordou-se de uma tarde em que tinha desmontado de uma gemente bicicleta alugada para ir orar a Deus num bosque perto de Malahide. Tinha erguido os braços e rezado em êxtase, na nave sombria das árvores, sabendo que se encontrava em terreno sagrado e numa hora santa. E, na altura em que dois polícias surgiram na curva da estrada sombria, tinha interrompido a sua oração e começado a assobiar uma ária de uma pantomima em voga.

Começou a bater com a ponta desgastada da bengala contra a base da coluna.





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