Retrato do Artista Quando Jovem - Cap. 5: V Pág. 265 / 273

- Recordas-te do resto?

- Do que tu disseste, não é? - perguntou Cranly. - Sim.

Recordo-me. Descobrir a forma de vida ou de arte através da qual o teu espírito se possa expressar com total liberdade.

Stephen ergueu o chapéu, num cumprimento à sua memória.

- Liberdade! - repetiu Cranly. - Mas ainda não és suficientemente livre para cometer um sacrilégio. Diz-me cá, eras capaz de roubar?

- Preferia mendigar - disse Stephen.

- E se nada te dessem, serias capaz de roubar?

- Queres que eu diga - respondeu Stephen - que os direitos de propriedade são provisórios e que, em certas circunstâncias, não é ilícito roubar. Qualquer um o faria, com base nessa crença. Por isso, não vou dar-te essa resposta. Consulta o teólogo jesuíta Juan Mariana de Talavera, que te explicará em que circunstâncias poderás licitamente assassinar o teu rei e se seria preferível administrar-lhe o veneno numa taça ou espalhá-lo na sua túnica ou no arção da sua sela. Pergunta-me, antes, se eu consentiria em que me roubassem, e, se fosse roubado, se chamaria sobre os ladrões aquilo que julgo chamar-se a sanção do braço secular.

- Fá-lo-ias?

- Penso - disse Stephen - que isso me custaria tanto quanto ser roubado.

- Compreendo - disse Cranly.

Retirou o fósforo do bolso e começou a limpar o interstício entre dois dentes. Depois disse, em tom despreocupado:

- Diz-me, por exemplo, serias capaz de desflorar uma virgem?

- Desculpa - disse Stephen, cortesmente -, mas não é essa a ambição da maior parte dos jovens cavalheiros?

- Qual é, então, o teu ponto de vista? - perguntou Cranly. A sua última frase, com um odor ácido semelhante ao do fumo de carvão, e deprimente, excitou o cérebro de Stephen, sobre o qual o fumo parecia pairar.





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