Retrato do Artista Quando Jovem - Cap. 5: V Pág. 266 / 273

- Olha lá, Cranly - disse. - Perguntaste-me o que eu faria e o que eu não faria. Vou dizer-te o que farei e o que não farei.

Não serei escravo daquilo em que já não acredito, quer se trate do meu lar, da minha pátria ou da minha Igreja; e tentarei expressar-me numa forma de vida ou de arte tão livremente quanto possa e tão plenamente quanto possa, usando para minha defesa as únicas armas que me permitirei usar: o silêncio, o exílio e a astúcia.

Cranly agarrou-lhe no braço e fê-lo rodar, de modo a encaminhá-lo de volta para Leeson Park. Riu-se de uma forma quase dissimulada e apertou o braço de Stephen com o afecto de um irmão mais velho.

- Astúcia, hein? - disse ele. - És tu a falar? Pobre poeta me saíste!

- E tu obrigaste-me a confessar-me - disse Stephen, emocionado com o contacto - tal como te confessei tantas outras coisas, não é verdade?

- Sim, meu filho - disse Cranly, ainda divertido.

- Fizeste-me confessar os receios que sinto. Mas vou também dizer-te aquilo que não receio. Não receio estar só nem ser trocado por outro, nem deixar aquilo que tiver de deixar. E não receio cometer um erro, nem mesmo um grande erro, um erro com efeitos em toda a minha vida, ou talvez sobre toda a eternidade.

Cranly, novamente sério, abrandou o passo e disse:

- Só, completamente . Tu não receias isso. E sabes o que essa palavra significa? Não só estar separado de todas as outras pessoas mas também não ter um único amigo.

- Correrei esse risco - disse Stephen.

- E não ter uma pessoa - disse Cranly - que possa ser mais do que um amigo, mais do que o mais nobre e mais verdadeiro amigo que um homem possa ter.

As suas palavras pareciam ter feito vibrar uma corda profunda da sua própria natureza.





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