Retrato do Artista Quando Jovem - Cap. 1: I Pág. 46 / 273

- Dedalus, senhor.

- Chegue aqui, Dedalus. Mentiroso e preguiçoso. Estou a ver a mentira estampada na sua cara. Onde é que partiu os óculos?

Stephen avançou aos tropeções até ao meio da aula, cego pelo medo e pela precipitação.

- Onde é que partiu os óculos? - repetiu o prefeito dos estudos.

- Na pista de escória, senhor.

- Ah! Na pista de escória! - exclamou o prefeito dos estudos. - Conheço essa desculpa.

Stephen ergueu os olhos, cheio de espanto e, por um momento, viu o rosto pardacento, já não muito jovem, do padre Dolan, com a sua calva acinzentada, com tufos grisalhos aos lados da cabeça, os aros de aço dos seus óculos e os seus olhos sem cor que o fitavam através das lentes. Por que diria ele que conhecia aquela desculpa?

- Meu vadio preguiçoso! - exclamou o prefeito dos estudos. - Parti os meus óculos! Uma velha desculpa dos estudantes! Estenda já essa mão!

Stephen fechou os olhos e estendeu a mão trémula, com a palma voltada para cima. Sentiu o prefeito dos estudos tocar, por um momento, nos dedos para a endireitar, e depois ouviu o roçagar da manga da sotaina quando ele ergueu a palmatória para lhe bater. Uma pancada ardente, pungente, entorpecedora, como o estalo de uma vara que se quebra, fez que a sua mão trémula se encarquilhasse como uma folha na fogueira; e o som e a dor trouxeram-lhe lágrimas escaldantes aos olhos. Todo o seu corpo tremia de medo, o seu braço estremecia e a sua mão enclavinhada, lívida, a arder, agitava-se como uma folha solta ao vento. Assomou-lhe um grito aos lábios, uma súplica para que o soltassem. Mas, embora as lágrimas lhe queimassem os olhos e os seus membros estremecessem de sofrimento e terror, reteve as lágrimas ardentes e o grito que lhe queimava a garganta.





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