A figura daquele sombrio vingador representava, na sua mente, tudo aquilo de que ouvira falar ou pressentira, na sua infância, de mais estranho e terrível. À noite, construía sobre a mesa da sala uma imagem da maravilhosa caverna da ilha, com estampas e flores de papel, e papel de seda de cores e tiras de papel prateado e dourado que tinha servido para embrulhar chocolates. Depois de ter desmantelado esse cenário, fatigado dos falsos ouropéis, surgia na sua mente a imagem vibrante de Marselha, com os seus alpendres cheios de sol, e a visão de Mercedes.
Nos arredores de Blackrock, na estrada que levava às montanhas, havia uma casinha caiada, em cujo jardim cresciam muitas roseiras; e, nessa casa, dizia ele a si mesmo, morava uma outra Mercedes. Tanto à ida como à vinda, nos seus passeios, media a distância por esse marco, e, na sua imaginação, vivia um longo desfile de aventuras, tão maravilhosas como as do livro, para o fim das quais emergia uma imagem de si próprio, mais velho e mais triste, num jardim ao luar, com Mercedes, que tantos anos antes havia desdenhado o seu amor e, com um gesto triste de recusa, dizia-lhe:
- Minha senhora, eu nunca como uvas moscatéis.
Aliou-se a um rapaz chamado Aubrey Mills e organizou, com ele, um bando de aventureiros da rua. Aubrey usava um apito pendurado na botoeira e uma lanterna de bicicleta presa ao cinto, enquanto os outros tinham curtos paus, enfiados nos seus cintos, como punhais. Stephen, que tomara conhecimento, através dos livros, do estilo de vestuário simples de Napoleão, preferia não usar adornos e, além disso, deleitava-se em aconselhar-se com o seu lugar-tenente, antes de dar ordens. O bando fazia incursões nos jardins das solteironas ou descia ao castelo e travava batalhas nas rochas eriçadas de ervas, e todos regressavam a casa, como soldados fatigados, com o cheiro acre da maré baixa nas narinas e as mãos e os cabelos empestados pelos óleos malcheirosos das algas marinhas.