Retrato do Artista Quando Jovem - Cap. 2: II Pág. 61 / 273

As casas de Aubrey e Stephen eram servidas pelo mesmo leiteiro e eles costumavam seguir no carro do leite até Carrickmines, onde as vacas iam pastar. Enquanto os homens mungiam as vacas, os rapazes montavam, por turnos, a égua dócil, em volta do campo. Mas, quando chegou o Outono, as vacas foram levadas do pasto; e a primeira visão do estábulo imundo de Stradbrook, com as suas poças verdes e malcheirosas e os excrementos líquidos e fumegantes regos de farelo, provocou náuseas a Stephen. O gado que lhe parecera tão belo nos campos, nos dias de sol, causou-lhe repugnância, e nem conseguia olhar para o leite que era extraído das vacas.

A chegada de Setembro não o perturbou, nesse ano, porque não voltaria a Clongowes. Os treinos no parque terminaram quando Mike Flynn foi internado no hospital. Aubrey estava na escola e só tinha uma ou duas horas livres de tarde. O bando separou-se e acabaram-se as sortidas nocturnas e as batalhas nos rochedos. Stephen seguia, por vezes, no carro que distribuía o leite à tarde, e esses passeios gelados afastaram da sua memória a imundície do estábulo, e deixou de sentir repugnância ao ver os pêlos de vaca e as sementes de feno no casaco do leiteiro. Sempre que o carro se detinha em frente de uma casa, ele divertia-se a observar uma cozinha bem limpa ou um vestíbulo suavemente iluminado e a ver como a criada segurava o jarro e como fechava a porta. Pensava que poderia ser uma vida bem agradável, distribuir o leite todas as tardes, pelas estradas, se tivesse umas luvas quentes e um bom saco de bolachas de gengibre no bolso, para ir comendo. Mas a mesma presciência que o tinha entristecido e feito que sentisse subitamente as pernas pesadas, ao correr pelo parque, a mesma intuição que o tinha feito olhar com desconfiança para o rosto balofo e coberto de barba crescida do seu treinador, quando se inclinava pesadamente sobre os longos dedos manchados, dissipava qualquer visão do futuro.





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