Retrato do Artista Quando Jovem - Cap. 2: II Pág. 85 / 273

Agora que a peça terminara, os seus nervos exigiam mais aventura. Apressou-se, como se corresse ao seu encontro. As portas do teatro estavam todas abertas e a assistência tinha saído. Nos cabos que ele imaginara serem as amarras de uma barca, balançavam-se algumas lanternas à brisa nocturna, bruxuleando alegremente. Subiu apressadamente os degraus do jardim, receando deixar escapar a sua presa, e abriu caminho por entre a multidão do vestíbulo, passando pelos dois jesuítas que observavam o êxodo, fazendo vénias e apertando as mãos dos visitantes. Continuou a abrir caminho, nervosamente, fingindo uma pressa ainda maior e vagamente consciente dos sorrisos e olhares e sinais que a sua cabeça empoada deixava atrás de si.

Quando chegou aos degraus, viu a família à sua espera, junto do primeiro candeeiro. Num relance, verificou que todos os membros do grupo eram da sua família, e começou a descer os degraus, furiosamente.

- Tenho de levar um recado à Rua George - disse rapidamente ao pai. - Depois vou para casa.

Sem esperar pelas perguntas do pai, atravessou a rua a correr e começou a descer a colina a uma velocidade suicida. Mal sabia por onde seguia. O orgulho, a esperança e o desejo, como ervas pisadas dentro do seu coração, expeliam vapores de um violento incenso que lhe envolviam os olhos e a mente. Desceu a colina por entre o tumulto dos vapores subitamente emanados pelo orgulho ferido, a esperança abalada e o desejo frustrado. Aqueles vapores enlouquecedores subiram, densos, diante dos seus olhos angustiados e elevaram-se para o ar, até que este voltou a ficar límpido e frio.

Ainda havia um véu a cobrir-lhe os olhos, mas estes já não ardiam. Uma força, semelhante àquela que tantas vezes fizera desaparecer a ira ou o ressentimento, acalmou os seus passos.





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