Retrato do Artista Quando Jovem - Cap. 2: II Pág. 91 / 273

As letras gravadas na madeira manchada da carteira voltaram a aparecer-lhe, troçando da sua fraqueza física e dos seus fúteis entusiasmos e fazendo-o detestar-se por causa das suas próprias orgias, loucas e impuras. A saliva tornava-se amarga e difícil de engolir e o vago mal-estar atingiu-lhe o cérebro, de modo que, por um momento, fechou os olhos e caminhou às escuras.

Continuava a escutar a voz do pai:

- Quando te governares sozinho, Stephen (e penso que isso estará para breve), não te esqueças de que, faças o que fizeres, deverás conviver sempre com cavalheiros. Quando eu era jovem, digo-te que me diverti. Mas convivi sempre com rapazes decentes e finos. Todos eles sabiam fazer alguma coisa. Um deles tinha uma bela voz, outro era um bom actor, outro sabia cantar uma boa canção humorística, outro era um bom remador ou um bom tenista, outro sabia contar uma boa história, e assim por diante. Passavamos a bola de uns para os outros e divertíamo-nos, e ficámos a conhecer a vida, sem que isso nos prejudicasse. Mas todos nós éramos cavalheiros, Stephen (pelo menos eu penso que sim) e bons irlandeses de gema; também. É com esse tipo de gente que quero que convivas, rapaziada de boa extracção. Estou a falar-te como um amigo, Stephen. Não acho que um filho deva sentir medo do pai. Não, estou a tratar-te como o teu avô me tratou quando eu era novo. Éramos mais irmãos do que pai e filho. Nunca esquecerei o dia em que ele me apanhou a fumar. Eu estava no extremo do Terraço Sul, um dia, com alguns fedelhos da minha idade, e, é claro, sentíamo-nos gente grande porque tínhamos cachimbos enfiados ao canto da boca. Subitamente, o meu velho passou. Não disse uma palavra, nem sequer parou. Mas no dia seguinte, um domingo, fomos sair juntos e, quando estávamos de regresso a casa, ele puxou da sua caixa de charutos e disse: «A propósito, Simon, não sabia que fumavas, ou coisa parecida.





Os capítulos deste livro