Sua Majestade costumava pôr num dos meus pratos um pouquinho de carne, que eu próprio trinchava, e divertia-se ao ver-me comer em pedaços minúsculos. Quanto à rainha, que tinha pouco apetite, cortava um naco que serviria para satisfazer as necessidades de uma dúzia de trabalhadores ingleses, o que para mim, durante algum tempo, constituiu um espectáculo repugnante. Triturava com os dentes a asa de uma calhandra, com os respectivos ossos, apesar de ser nove vezes maior que um pavão adulto, ao mesmo tempo que punha na boca um pedacinho de pão do tamanho de dois pães de mistura grandes. Numa taça de ouro, bebia de um só trago o equivalente a um barril. As suas facas tinham o dobro do tamanho de uma gadanha. As colheres, os garfos e outras peças mantinham idêntica proporção. Recordo que, quando Glumdalclitch me levou a ver, por curiosidade, algumas das mesas na corte com uma imensidão de garfos e facas, me parecera que nunca tinha visto até então um espectáculo tão medonho.
Os costumes requerem que todas as quartas-feiras (que, como já tivera ocasião de observar, correspondem aos nossos sábados) o rei e a rainha, com toda a descendência de ambos os sexos, comam juntos nos aposentos do soberano. Eu convertera-me no seu grande favorito; e, em tais ocasiões, a minha mesinha e cadeirinha eram colocadas à sua esquerda, diante de um dos saleiros. Este príncipe gostava muito de conversar comigo, inquirindo-me sobre os costumes, religião, leis, governo e cultura na Europa, sobre os quais procurava dar as informações mais completas. A sua perspicácia era tão aguda e o raciocínio tão certeiro que fazia pertinentes reflexões e observações sobre tudo o que lhe dizia.
