A Linha de Sombra - Cap. 2: I Pág. 30 / 155

A voz de Giles prosseguia, cheia de auto-satisfação, a voz perfeita de toda a oca vaidade universal. Entretanto, deixei de me sentir irritado com aquilo. Nada havia de original, de novo, de digno de nota, de instrutivo, que eu pudesse ainda esperar deste mundo: não havia qualquer oportunidade de descobrir fosse o que fosse em relação a mim próprio, qualquer sabedoria a recolher, qualquer alegria louca a experimentar. Tudo era estúpido e a seguir cotado de um alto valor ilusório, exactamente como acontecia com o capitão Giles.

Assim fosse!

Mas o nome de Hamilton feriu-me bruscamente o ouvido, redespertando-me a atenção.

«Pensei que já tínhamos acabado com isso», disse então, mostrando o meu desagrado com bastante nitidez.

«Sim. Mas parece-me que, tendo em conta o que por acaso acabámos de ouvir, o senhor devia fazê-lo.»

«Devia fazê-lo?» E recostei-me mais entontecido que nunca. «Mas fazer o quê?»

O capitão encarou-me cheio de estupefacção.

«O quê? Mas fazer o que eu tenho estado a aconselhar-lhe que faça. Devia ir perguntar ao despenseiro o que vinha dentro da carta da capitania. Vá lá perguntar-lhe, vá depressa.»

Perdi a fala por momentos. Cá estava enfim alguma coia suficientemente inesperada e original para me ser completamente incompreensível. Murmurei por fim, cheio de surpresa:

«Mas julguei que era Hamilton quem o senhor...» «Isso mesmo. Não lhe dê oportunidade para isso. Faça ° que lhe estou a dizer. Lance o seu croque ao despenseiro. Há-de o pôr aos saltos, posso apostar», insistiu ele, agitando, de maneira para mim impressionante, o cachimbo aceso no ar. Depois, puxou três baforadas muito rápidas.

A sua expressão de astúcia vencedora era inenarrável. E continuava, porém, a ser uma figura estranhamente simpática.





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