Era como um rochedo no litoral, com as vagas a erguerem-se em volta, a cobrirem-no, a retirarem-se, como um rochedo na ressaca a que os náufragos se agarram antes de o largarem - com a única diferença de que se elevava, se afundava, balançava continuamente, sem pausa nem repouso, como um rochedo que milagrosamente se soltasse da costa e fosse à deriva pelo mar dentro.
O Nan-Shan estava a ser saqueado pela tempestade com uma fúria insensata, destruidora: caranguejas arrancadas dos seus calabretes, toldos reforçados levados pelos ares, a ponte varrida de ponta a ponta, abrigos de lona rasgados, balaustradas torcidas, quebra-luzes espatifados - e dois dos escaleres já tinham sido levados pelo mar. Tinham partido sem que ninguém ouvisse nem visse, dissolvendo-se, por assim dizer, no embate e na asfixia do mar. Foi só mais tarde, quando no meio do relâmpago branco de outra grande vaga a precipitar-se de través sobre o navio, que Jukes teve a visão de dois pares de turcos emergindo negros e vazios da treva sólida, com uma talha a voar e um moitão com aros de ferro cabriolando no ar, que ele teve consciência do que acontecera a pouco mais de um metro das suas costas.
Esticou a cabeça para a frente, procurando a orelha do capitão. Os seus lábios tocaram-na - grande, carnuda, muito molhada.
- Os nossos escaleres estão a ser levados, sir,
E de novo ouviu aquela voz, forçada e soando fracamente, mas com um penetrante efeito de quietude no enorme desacordo de ruídos, como se enviada de algum remoto lugar de paz para além das extensões negras da tempestade; de novo ouviu a voz de um homem - o frágil e indomável som com capacidade para transmitir uma infinidade de pensamentos, decisões e objectivos, que pronunciará palavras de confiança no dia derradeiro, quando os céus caírem e se fizer justiça -, ouviu-a de novo, e ela estava a gritar-lhe, como de muito, muito longe:
- Está bem.
