Todo o compartimento, com as suas sombras e as suas formas, estava em constante movimento. O mestre escancarou os olhos: o navio mergulhou para estibordo e um grande uivo soltou-se da massa, que veio por ali abaixo como um aluimento de terras.
Bocados de madeira voaram a silvar. Tábuas, pensou o mestre, inexprimivelmente sobressaltado e atirando para trás a cabeça. A seus pés um homem passou a deslizar de costas, de olhos abertos, esticando os braços erguidos para o vácuo; e outro veio a ressaltar como uma pedra que cai com a cabeça entre as pernas e os punhos cerrados. O seu rabicho agitava-se no ar; tentou agarrar-se às pernas do mestre e da sua mão aberta um disco branco e brilhante rolou contra o pé do mestre. Este reconheceu um dólar de prata e soltou um grito de espanto ao vê-lo. Com um som precipitado de pés descalços correndo e arrastando-se, e com gritos guturais, o montículo de corpos que se contorciam em pilhados a bombordo destacou-se do flanco do navio e escorregando, inerte e debatendo-se, foi projectado para estibordo com um baque surdo, brutal. Os gritos cessaram. O mestre ouviu um prolongado gemido através do rugido e do silvar do vento; viu uma inextricável confusão de cabeças e ombros, solas descalças agitando-se convulsivamente no ar, punhos erguidos, costas, pernas, rabichos, caras, aos boléus.
- Valha-me Deus! - gritou, horrorizado, e fechou de estrondo a porta de ferro sobre aquele espectáculo.
Fora isto que ele viera à ponte contar. Não podia guardar aquele conhecimento só para si; e a bordo de um navio só há um homem junto de quem vale a pena desafogar. Quando tornou a passar no meio da marinhagem voltou a ouvir insultos. Por que diabo não trouxera o candeeiro? Quem é que se importava com aqueles coolies? E quando saiu para o tombadilho o extremo a que chegara o navio fez-lhe parecer de pouca importância aquilo que se passava la dentro.
