A Confissão de Lúcio - Cap. 3: CAPÍTULO 1 Pág. 10 / 93

Falassem-lhe do ascetismo, da renúncia. Isso sim!… A voluptuosidade ser uma arte? Banalidade… Toda a gente o dizia ou, no fundo, mais ou menos o pensava…

E por aqui fora, adoravelmente dando a conhecer que só por se lhe afigurar essa a opinião mais geral, ele a combatia.

Durante toda a conversa, apenas quem nunca arriscara uma palavra tinham sido as duas inglesinhas, Jenny e Dora - sem também despregarem ainda de Gervásio, um só instante, os olhos azuis e louros.

Entretanto as cadeiras haviam-se deslocado e, agora, o escultor sentava-se junto da americana. Que belo grupo! Como os seus dois perfis se casavam bem na mesma sombra esbatidos - duas feras de amor, singulares, perturbadoras, evocando mordoradamente perfumes esfíngicos, luas amarelas, crepúsculos de roxidão. Beleza, perversidade, vício e doença…

Mas a noite descera. Um par de amorosos do grande mundo entrava a refugiar-se no célebre estabelecimento, quase deserto pelo inverno.

A americana excêntrica deu o sinal de partida; e quando ela se ergueu eu notei, duvidosamente notei, que calçava umas estranhas sandálias, nos pés nus… nos pés nus de unhas douradas…

* * *

Na Porta Maillot, tomamos o tramway para Montparnasse, começando Gervásio:

- Então, Lúcio, que lhe pareceu a minha americana?

- Muito interessante.

- Sim? Mas você não deve gostar daquela gente. Eu compreendo bem. Você é uma natureza simples, e por isso…

- Ao contrário - protestava eu em idiotice -, admiro muito essa gente. Acho-os interessantíssimos. E quanto à minha simplicidade…

- Ah, pelo meu lado, confesso que os adoro… Sou todo ternura por eles. Sinto tantas afinidades com essas criaturas… como também as sinto com os pederastas… com as prostitutas… Oh! é terrível, meu amigo, terrível…

Eu sorria apenas.





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