Simplesmente não a posso existir… E orgulho-me tanto de não a poder viver .. orgulho-me tanto de não ser feliz… Cá estamos: a maldita literatura…
E, depois de uma breve pausa:
- Noutros tempos, em Lisboa, um meu companheiro íntimo, hoje já morto, alma ampla e intensa de artista requintado - admirava-se de me ver acamaradar com certas criaturas inferiores. É que essas andavam na vida, e eu aprazia-me com elas numa ilusão. As minhas eternas incoerências! Vocês, os verdadeiros artistas, as verdadeiras grandes almas - eu sei - nunca saem, nem pretendem sair, do vosso círculo de ouro - nunca lhes vêm desejos de baixar à vida. É essa a vossa dignidade. E fazem bem. São muito mais felizes… Pois eu sofro duplamente, porque vivo no mesmo círculo dourado e, entretanto, sei-me agitar cá embaixo…
- Ao contrário, eis pelo que você é maior - comentava eu, - Esses a quem se refere, se não ousam descer, é por adivinharem que, se se misturassem à existência quotidiana, ela os absorveria, soçobrando o seu génio de envolta com a banalidade. São fracos. E esse pressentimento instintivamente os salva. Enquanto que o meu amigo pode arriscar o seu génio por entre medíocres. É tão grande que nada o sujará.
- Quimera! Quimera! - volvia o poeta. - Sei lá o que sou… Em todo o caso, olhe que é lamentável a banalidade dos outros… Como a "maioria" se contenta com poucas ânsias, poucos desejos espirituais, pouca alma… Oh! é desolador!… Um drama de Jorge Ohnet, um romance de Bourget, uma ópera de Verdi, uns versos de João de Deus ou um poema de Tomás Ribeiro - chegam bem para encher o seu ideal. Que digo? Isto mesmo são já requintes de almas superiores. As outras - as verdadeiramente normais - ora… ora.. deixemo-nos de devaneios, contentam-se com as