Porém, a verdade é que em redor da sua figura havia uma auréola. Gervásio Vila-Nova era aquele que nós olhamos na rua, dizendo: ali, deve ir alguém.
Todo ele encantava as mulheres. Tanta rapariguinha que o seguia de olhos fascinados quando o artista, sobranceiro e esguio, investigava os cafés… Mas esse olhar, no fundo, era mais o que as mulheres lançam a uma criatura do seu sexo, formosíssima e luxuosa, cheia de pedrarias…
- Sabe, meu caro Lúcio - dissera-me o escultor, muita vez -, não sou eu nunca que possuo as minhas amantes; elas é que me possuem…
Ao falar-nos, brilhava ainda mais a sua chama. Era um conversador admirável, adorável nos seus erros, nas suas ignorâncias, que sabia defender intensamente, sempre vitorioso; nas suas opiniões revoltantes e belíssimas, nos seus paradoxos, nas suas blagues. Uma criatura superior - ah! sem dúvida. Uma destas criaturas que se enclavinham na memória - e nos perturbam, nos obcecam. Todo fogo! todo fogo!
Entretanto, se o examinávamos com a nossa inteligência, e não apenas com a nossa vibratilidade, logo víamos que, infelizmente, tudo se cifrava nessa auréola, que o seu génio - talvez por demasiado luminoso - se consumiria a si próprio, incapaz de se condensar numa obra - disperso, quebrado, ardido. E assim aconteceu, com efeito. Não foi um falhado porque teve a coragem de se despedaçar.
A uma criatura como aquela não se podia ter afeto, embora no fundo ele fosse um excelente rapaz: mas ainda hoje evoco com saudade as nossas palestras, as nossas noites de café - e chego a convencer-me que, sim, realmente, o destino de Gervásio Vila-Nova foi o mais belo: e ele um grande, um genial artista.
* * *
Tinha muitas relações no meio artístico o meu amigo. Literatos, pintores, músicos, de todos os países.