me senti humilhado, sujo, nesse instante - que difícil me foi suster a minha raiva e não o esbofetear, estender-lhe amavelmente a mão, na noite seguinte, ao encontrá-lo em casa do poeta…
Estas diligências torpes, porém, foram vantajosas para mim. Com efeito se, durante elas, não averiguara coisa alguma - concluíra pelo menos isto: que ninguém se admirava do que eu me admirava; que ninguém notara o que eu tinha notado. Pois todos me ouviram como se nada de propriamente estranho, de misterioso, houvesse no assunto sobre o qual as minhas perguntas recaíam - apenas como se fosse indelicado, como se fosse estranho da minha parte tocar nesse assunto. Isto é: ninguém me compreendera… E assim me cheguei a convencer de que eu próprio não teria razão…
De novo, por algum tempo, as ideias se me desanuviaram; de novo, serenamente, me pude sentar junto de Marta.
* * *
Mas ai, foi bem curto este período tranquilo.
De todos os conhecidos do artista, só um eu não ousara abordar, tamanha antipatia ele me inspirava - Sérgio Warginsky.
Ora uma noite, por acaso, encontramo-nos no Tavares. Não houve pretexto para que não jantássemos à mesma mesa…
… E de súbito, no meio da conversa, muito naturalmente, o russo exclamou, aludindo a Ricardo e à sua companheira:
- Encantadores aqueles nossos amigos, não é verdade? E que amáveis… Já conhecia o poeta em Paris. Mas, a bem dizer, as nossas relações datam de há dois anos, quando fomos companheiros de jornada… Eu tomara em Biarritz o sud-express para Lisboa. Eles faziam viagem no mesmo trem, e desde então…