A Confissão de Lúcio - Cap. 6: CAPÍTULO 4 Pág. 52 / 93

que enfim de tudo quanto derroquei sempre se ergueu alguma coisa…"

E, facto extraordinário, notava eu hoje: ele referia-se a tudo isso como se se tratasse de episódios que eu já conhecesse, sendo por conseguinte inútil narrá-los, só comentados…

Mas havia outra circunstância, ainda mais bizarra: é que, pela minha parte, eu não me admirara, como se efetivamente já tivesse conhecido tudo isso, que,

porém, olvidara por completo, e que a sua carta agora, vagamente, me vinha recordar.

Sim, sim: nem me admirara, nem lhe falara do meu esquecimento, nem lhe fizera perguntas - não pensara sequer em lhas fazer, não pensara em coisa alguma.

* * *

Mais do que nunca o mistério subsistia pois: entretanto divergido para outra direção. Isto é: a ideia fixa que ele me enclavinhava no espírito alterara-se essencialmente.

Outrora o mistério apenas me obcecava como mistério: evidenciando-se, também, a minha alma se desensombraria. Era ele só a minha angústia. E hoje - meu Deus! - a tortura volvera-se em quebranto; o segredo que velava a minha desconhecida só me atraía hoje, só me embriagava de champanhe - era a beleza única da minha existência.

Daí por diante seria eu próprio a esforçar-me por que ele permanecesse, impedindo que luz alguma o viesse iluminar. E quando desabasse, a minha dor seria infinita. Mais: se ele soçobrasse, apesar de tudo, numa ilusão, talvez eu ainda o fizesse prosseguir!

O meu espírito adaptara-se ao mistério - e esse mistério ia ser a armadura, a chama e o rastro de ouro da minha vida…

Isso, entretanto, não o avistei imediatamente; levou-me muitas semanas o aprendê-lo - e, ao descobri-lo, recuei horrorizado. Tive medo; um grande medo… O mistério era essa mulher. Eu só amava o mistério…

… Eu amava essa mulher! Eu queria-a! eu queria-a!

* * *

Meu Deus, como sangrei…

O espírito fendera-se-me numa oscilação temível; um arrepio contínuo me varava a carne ziguezagueantemente.





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