Não dormia, nem sequer sonhava. Tudo eram linhas quebradas em meu redor, manchas de luz podre, ruídos dissonantes…
Foi então que num ímpeto de vontade, bem decidido, comecei a procurar com toda a lucidez a força de salvar o precipício que estava já bem perto, na minha carreira… Logo a encontrei. O que me impelia para essa mulher fazendo-ma ansiar esbraseadamente, não era a sua alma, não era a sua beleza - era só isto: o seu mistério. Derrubado o segredo, esvair-se-ia o encantamento: eu poderia caminhar bem seguro.
Assim determinei abrir-me inteiramente com Ricardo, dizer-lhe as minhas angústias, e suplicar-lhe que me contasse tudo, tudo, que pusesse termo ao mistério, que preenchesse os espaços vazios da minha memória.
Mas foi-me impossível levar a cabo tal resolução. Desfaleci adivinhando que sofreria muito mais, muito mais fanadamente, extinto o sortilégio, de que enquanto ele me diluísse.
Quis ter porém outra coragem: a de fugir.
Desapareci durante uma semana fechado em minha casa, sem fazer coisa alguma, passeando todo o dia à roda do meu quarto. Os bilhetes do meu amigo principiaram chovendo, e como nunca lhe respondesse, uma tarde ele próprio me veio procurar. Disseram-lhe que eu não estava, mas Ricardo, sem ouvir, precipitou-se no meu quarto a gritar-me:
- Homem! que diabo significa isto? Pousas ao neurasténico, à última hora? Vamos, faz-me o favor de te vestir e de me acompanhares imediatamente a minha casa.
Não soube articular uma razão, uma escusa, Apenas sorri volvendo:
- Não faças caso. São as minhas esquisitices…
E, no mesmo instante, decidi não fugir mais do precipício; entregar-me à corrente - deixar-me ir até onde ela me levasse. Com esta resolução voltou-me toda a lucidez.
Acompanhei Ricardo.