E a tranquilidade regressou-me.
Mas este novo período de calma bem pouco durou. Em face do mistério não se pode ser calmo - e eu depressa me lembrei de que ainda não sabia coisa alguma dessa mulher que todas as tardes emaranhava.
Nas suas conversas mais íntimas, nos seus amplexos mais doidos, ela era sempre a mesma esfinge. Nem uma vez se abrira comigo numa confidência - e continuava a ser a que não tinha uma recordação.
Depois, olhando melhor, nem era só do seu passado que eu ignorava tudo - também duvidava do seu presente. Que faria Marta durante as horas que não vivíamos juntos? Era extraordinário! Nunca me falara delas; nem para me contar o mais pequenino episódio - qualquer desses episódios fúteis que todas as mulheres, que todos nós nos apressamos a narrar, narramos maquinalmente, ainda os mais reservados… Sim, em verdade, era como se não vivesse quando estava longe de mim.
Passou-me esta ideia pelo espírito, e logo encontrei outro facto muito estranho:
Marta parecia não viver quando estava longe de mim. Pois bem, pela minha parte, quando a não tinha ao meu lado, coisa alguma me restava que, materialmente, me pudesse provar a sua existência: nem uma carta, um véu, uma flor seca - nem retratos, nem madeixas. Apenas o seu perfume, que ela deixava penetrante no meu leito, que bailava subtil em minha volta. Mas um perfume é uma irrealidade. Por isso, como outrora, descia-me a mesma ânsia de a ver, de a ter junto de mim para estar bem certo de que, pelo menos, ela existia.
Evocando-a, nunca a lograra entrever. As suas feições escapavam-me como nos fogem as das personagens dos sonhos. E, às vezes, querendo-as recordar por força, as únicas que conseguia suscitar em imagem eram as de Ricardo. Decerto por ser o artista quem vivia mais perto dela.