A Confissão de Lúcio - Cap. 7: CAPÍTULO 5 Pág. 60 / 93

Ah! bem forte, sem dúvida, o meu espírito, para resistir ao turbilhão que o silvava…

(Entre parênteses observe-se, porém, que estas obsessões reais que descrevo nunca foram contínuas no meu espírito. Durante semanas desapareciam por completo e, mesmo nos períodos em que me varavam, tinham fluxos e refluxos.)

Juntamente com o que deixo exposto, e era o mais frisante das minhas torturas, outras pequeninas coisas, traiçoeiras ninharias, me vinham fustigar.

Coloca-se até aqui um episódio curioso que, embora sem grande importância, é conveniente referir:

Apesar de grandes amigos e de íntimos amigos, eu e Ricardo não nos tratávamos por tu, devido com certeza à nossa intimidade ter principiado relativamente tarde - não sermos companheiros de infância. De resto, nunca sequer atentáramos no facto.

Ora, por esta época, eu encontrei-me por vezes de súbito a tratar o meu amigo por tu. E quando o fazia, logo me emendava, corando como se viesse de praticar uma imprudência. E isto repetia-se tão amiudadamente que o poeta uma noite me observou com a maior naturalidade:

- Homem, escusas de ficar todo atrapalhado, titubeante, vermelho como uma malagueta, quando te enganas e me tratas por tu. Isso é ridículo entre nós. E olha, fica combinado: de hoje em diante acabou-se o "você". Viva o "tu"! É muito mais natural…

E assim se fez. Contudo, nos primeiros dias, eu não soube retrair um certo embaraço ao empregar o novo tratamento - tratamento que me fora permitido.

Ricardo, virando-se para Marta, mais de uma vez me troçou, dizendo-lhe:

- Este Lúcio sempre tem cada esquisitice… Não vês? Parece uma noiva lirial… uma pombinha sem fel… Que marocas!…

Entretanto este meu embaraço tinha um motivo - complicado esse, por sinal:

Nas nossas entrevistas íntimas, nos nossos amplexos, eu e Marta tratávamo-nos por tu.





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