efeito a sua carne de forma alguma me repugnava numa sensação de enjoo - a sua carne só me repugnava numa sensação de monstruosidade, de desconhecido: eu tinha nojo do seu corpo como sempre tive nojo dos epilépticos, dos loucos, dos feiticeiros, dos iluminados, dos reis, dos papas - da gente que o mistério grifou…
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Numa derradeira vontade tentei ainda provocar uma explicação com Marta - descrever-lhe sinceramente todo o meu martírio, ou, pelo menos, insultá-la. Enfim, pôr um termo qualquer à minha situação infernal.
Mas não o consegui nunca. Quando ia a dizer-lhe a primeira palavra, via os seus olhos de infinito… o seu olhar fascinava-me. E como um médium no estado hipnótico eram outras as frases que eu proferia - talvez só as que ela me obrigava a pronunciar.
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Então resolvi, pelo menos, saber de qualquer forma quem era o habitante do prediozinho verde. Repugnavam-me muito as diligências suspeitas, mas não descera eu já a seguir Marta?
Assim, enchi-me de arrojo e determinei ir perguntar pelas cercanias informações sobre o que eu desejava averiguar, mesmo em último caso ao porteiro - se é que o prédio tinha guarda-portão.
Escolhi a manhã de um domingo para as minhas investigações, dia em que eu e Marta só nos encontrávamos em casa do poeta, que todas as tardes de domingo nos levava a passear no seu automóvel, o qual então - estávamos em 1899 - fazia grande sucesso em Lisboa.
Porém, ao dobrar a rua transversal que levava à avenida onde era o prédio misterioso, tive um gesto de despeito: Ricardo caminhava na minha frente. Não me pude esconder. Ele vira-me já, não sei como:
- Hem? Tu por aqui a estas horas?… - gritou admirado.
Reuni as minhas forças para balbuciar:
- É verdade… Ia a tua casa…