Jantei com os meus amigos. Despedi-me cedo pretextando um ligeiro incómodo.
Corri para minha casa. Deitei-me logo… Mas antes de adormecer, revendo a cena culminante do dia, observei esta estranha coisa:
Ao pararmos em face do prédio verde, de súbito eu vira Marta avançar distraída até bater à porta… Ora, segundo a direção em que ela me aparecera, era fatal que tinha vindo sempre atrás de nós. Logo, ela devia-me ter visto: logo eu devia-a ter visto quando - lembrava-me muito bem - olhara para trás, por sinal em frente de um grande prédio em construção… E ao mesmo tempo - ignoro por que motivo - lembrei-me de que o meu amigo, quando decidira de repente não ir a casa de Warginsky, terminara a sua frase com estas palavras:
- …o automóvel precisa conserto. Aquilo, dia sim, dia não, é uma peça que se parte…
E eram as únicas palavras de que me lembrava frisantemente - mesmo as únicas que eu estava certo de lhe ter ouvido. Entretanto as únicas que eu não podia admitir que ele tivesse pronunciado…
* * *
Demorei-me ainda largas horas a rever o meu estranho dia. Mas por fim adormeci, levado num sono até alta manhã…
* * *
Dois dias depois, sem prevenir ninguém, sem escrever uma palavra a Ricardo, eu tive finalmente a coragem de partir…
Ah! a sensação de alívio que experimentei ao descer enfim na gare do Quai d'Orsay: respirava, desenastrara-se-me a alma!…
Com efeito eu sofri sempre as dores morais na minha alma, fisicamente. E a impressão horrível que há muito me debelava era esta: que a minha alma se havia dobrado, contorcido, confundido…
Mas agora, ao ver-me longe de tudo quanto me misturara, essa dor estranha diluíra-se: o meu espírito, sentia-o destrinçado como outrora.
Durante a viagem, pelo contrário, numa ânsia de chegar a Paris, as minhas torturas tinham-se enrubescido.