Acho-me tranquilo - sem desejos, sem esperanças. Não me preocupa o futuro. O meu passado, ao revê-lo, surge-me como o passado de um outro. Permaneci, mas já não me sou. E até à morte real, só me resta contemplar as horas a esgueirar-se em minha face… A morte real - apenas um sono mais denso…
Antes, não quis porém deixar de escrever sinceramente, com a maior simplicidade, a minha estranha aventura. Ela prova como factos que se nos afiguram bem claros são muitas vezes os mais emaranhados; ela prova como um inocente, muita vez, se não pode justificar, porque a sua justificação é inverosímil - embora verdadeira.
Assim eu, para que lograsse ser acreditado, tive primeiro que expiar, em silêncio, durante dez anos, um crime que não cometi…
A vida…
1-27 Setembro 1913 - Lisboa.
Mário de Sá-Carneiro
FIM