Santa-Cruz de Vilalva pediu-me o manuscrito, sem consentir, porém, que eu lho lesse.
E na manhã seguinte:
- Homem! - gritou-me - Você está maluco! O antigo é uma obra-prima. Este, perdoe-me.. Posso dizer-lhe a minha opinião franca?…
- Sem dúvida… - volvi, já perturbado.
- Um disparate!…
Uma raiva excessiva me afogueou perante a boçalidade do empresário, a sua pouca clarividência. Pois se algumas vezes eu adivinhara nas minhas obras lampejos de génio, era nessas páginas. Mas tive a força de me conter.
Não sei bem o que depois se seguiu. O certo é que tudo acabou por o drama ser retirado de ensaios, visto eu não consentir que o representassem com o primitivo ato, e a empresa se negar terminantemente a montá-lo, conforme o parecer do diretor e dos principais intérpretes.
Quebrei as relações com um e com outros, e exigi que me entregassem todas as cópias do manuscrito e os papéis. A minha exigência foi estranhada - lembro-me bem - sobretudo pelo modo violento como a fiz.
Ao chegar a minha casa - juntamente com o manuscrito original, lancei tudo ao fogo.
Tal foi o destino da minha última obra…
* * *
Decorreram algumas semanas.
As dores físicas do meu espírito tinham regressado; mas agora dores injustificadas - dores pelo menos cuja razão eu desconhecia.
Desde que chegara a Lisboa - era claro - não procurara ainda nenhum dos meus companheiros. Às vezes parecia-me até que gente, que em tempos eu conhecera, me evitava. Eram literatos, dramaturgos, jornalistas, que decerto pretendiam lisonjear assim o grande empresário de quem todos mais ou menos dependiam, hoje ou amanhã.
Só uma coisa me admirava: Ricardo, pela sua parte, não me tinha procurado nunca. O que, de resto, ao mesmo tempo se me afigurava bem explicável; o mais natural até: ele percebera sem dúvida os motivos do meu afastamento, e por isso se retraíra, sensatamente.