Estimava bastante que tivesse procedido assim. Caso contrário ter-se-ia dado entre nós uma cena muito desagradável. Em face dele, eu não saberia reprimir os meus insultos.
O caso da Chama aborrecera-me deveras. Uma grande náusea me subira por tudo quanto tocava à arte no seu aspeto mercantil. Pois só o comércio condenara a versão nova da minha peça: com efeito, em vez de ser um ato meramente teatral, de ação intensa mais lisa, como o primitivo - o ato novo era profundo e inquietador; rasgava véus sobre o Além.
Num último tédio comecei vagabundeando dias inteiros pelas ruas da cidade, à toa, por bairros afastados de preferência…
Lembro-me de que seguia por avenidas, dobrava por travessas, ansioso, quase a correr: como alguém, enfim, que debalde procurasse uma pessoa que muito desejasse encontrar - não sei por que, fiz esta comparação às vezes.
Em geral à noite, febril, cheio de cansaço, aturdido, recolhia cedo a casa, dormindo de um sono estagnado até de manhã… para recomeçar o meu devaneio…
Facto curioso: nunca me lembrei durante este período de regressar a Paris, e volver-me ao meu tranquilo isolamento de alma. Não porque me desagradasse hoje essa maneira de viver. Apenas tal recurso nunca me passou pela ideia…
Uma manhã vi de súbito alguém atravessar a rua, dirigindo-se ao meu encontro…
Quis fugir. Mas os pés enclavinharam-se no solo. Ricardo, ele próprio, estava em minha frente…
* * *
Não me podem lembrar - de banais que foram, por certo - as primeiras palavras que trocamos. Seguramente o poeta me disse o espanto que a minha desaparição lhe causara, que lhe causara o meu procedimento atual.
Fosse como fosse, falara-me num tom de grande tristeza, e em toda a sua figura havia a expressão de um sincero desgosto.