Em redor de mim tudo oscilou… Sentia-me disperso de alma e corpo entre o rodopio que me silvava… tinha receio de haver caído nas mãos de um louco…
E numa voz ainda mais velada, mais singular, mais falsa - isto é: melhor do que nunca parecendo vir doutra garganta -, Ricardo gritava-me num delírio:
- Vamos ver! Vamos ver!… Chegou a hora de dissipar os fantasmas… Ela é só tua! e só tua… hás de me acreditar!… Repito-te: Foi como se a minha alma, sendo sexualizada, se materializasse para te possuir… Ela é só minha! É só minha! Só para ti a procurei… Mas não consinto que nos separe… Verás… Verás!…
E no meio destas frases incoerentes, impossíveis, arrastava-me correndo numa fúria para os aposentos da sua esposa, que ficavam no segundo andar.
(Pormenor curioso: nesse momento eu não tinha a sensação de que eram impossíveis as palavras que ele me dizia; apenas as julgava cheias da maior angústia…)
Tínhamos chegado. Ricardo empurrou a porta brutalmente…
Em pé, ao fundo da casa, diante de uma janela, Marta folheava um livro…
A desventurada mal teve tempo para se voltar… Ricardo puxou de um revólver que trazia escondido no bolso do casaco e, antes que eu pudesse esboçar um gesto, fazer um movimento, desfechou-lho à queima-roupa…
Marta tombou inanimada no solo… Eu não arredara pé do limiar…
E então foi o mistério… o fantástico mistério da minha vida…
Ó assombro! ó quebranto! Quem jazia estiraçado junto da janela, não era Marta - não! -, era o meu amigo, era Ricardo… E aos meus pés - sim, aos meus pés! - caíra o seu revólver ainda fumegante!…
Marta, essa desaparecera, evolara-se em silêncio, como se extingue uma chama…
Aterrado, soltei um grande grito - um grito estridente, despedaçador - e, possesso de medo, de olhos fora das órbitas e cabelos erguidos, precipitei-me numa carreira louca… por entre corredores e salões… por escadarias…
Mas os criados acudiram.