E, no caso presente, não nos forces a juntar à condição dos guardas uma felicidade que fará deles tudo menos guardas. Com efeito, poderíamos cobrir os nossos lavradores de roupas sumptuosas, coroá-los de ouro e não os obrigar a trabalhar a terra senão para seu prazer; poderíamos deitar os oleiros em fila junto do lume, fazer que, bebendo e banqueteando-se, não fizessem girar a roda senão quando desejassem ocupar-se da sua obra e, do mesmo modo, tornar felizes todos os outros cidadãos, a fim de que a cidade inteira vivesse em alegria. Mas não nos dês esse conselho, porque, se te escutássemos, o lavrador deixaria de ser lavrador, o oleiro de ser oleiro e todas as profissões, cujo conjunto forma a cidade, desapareceriam. Além de que a importância destas profissões é menor: que sapateiros se tornem medíocres e se desacreditem, que se façam passar por aquilo que não são, nada tem de terrível para a cidade. Pelo contrário, quando os guardas das leis e da cidade só são guardas na aparência, vês que a arruínam de alto a baixo, enquanto, por outro lado, são os únicos a ter o poder de administrá-la bem e torná-la feliz.» Portanto, se somos nós que formamos verdadeiros guardas, absolutamente incapazes de prejudicarem a cidade, quem faz deles lavradores e como que convivas felizes numa
panegfria fala de algo diferente de uma cidade. Por conseguinte, temos de examinar se, ao instalarmos os nossos guardas, nos propomos torná-los tão felizes quanto possível ou se encaramos a felicidade de toda a cidade, caso em que devemos constranger os auxiliares e os guardas a assegurá-la e persuadi-los, assim como a todos os outros cidadãos, a desempenharem o melhor possível as funções que lhes incumbem; e, quando a cidade se tiver desenvolvido e estiver bem organizada, deixaremos que cada classe participe, de acordo com a sua natureza, na felicidade.
- Parece-me que tens razão - disse ele.
- Agora, achas sensato fazer a observação irmã das precedentes?
- Qual?
- Considera os outros artesãos e vê se não é isso que os desacredita e torna maus também.
- Isso, o quê?
- A riqueza - respondi - e a pobreza.
- Como?
- Da seguinte maneira. Achas que o oleiro, tendo enriquecido, quererá continuar a ocupar-se do seu ofício?
- Não.
- Não se tornará mais preguiçoso e negligente do que era?