- Exactamente o contrário: dar aos adolescentes e às crianças uma educação e uma cultura apropriadas à sua juventude; prestar todos os cuidados ao seu corpo na época em que cresce e se forma, a fim de prepará-lo para servir a filosofia; em seguida, quando chega a idade em que a alma entra na maturidade, reforçar os exercícios que lhe são próprios; e, quando as forças declinam e passou o tempo dos trabalhos políticos e militares, dar baixa no acampamento sagrado, isentos de toda e qualquer ocupação importante, àqueles que pretendem levar neste mundo uma vida feliz e, depois da sua morte, coroar no outro mundo a vida que tiverem vivido com um destino digno dela.
- Na verdade, parece-me que falas com zelo, Sócrates: creio, porém, que os teus ouvintes porão ainda mais zelo em te resistir, dado que de maneira nenhuma estão convencidos, a começar por Trasímaco.
- Não nos malquistes - exclamei -, a Trasímaco e a mim, que somos amigos de há pouco e nunca fomos inimigos. Não nos pouparemos a nenhum esforço enquanto não conseguirmos convencê-lo, a ele e aos outros, ou, pelo menos, fazer-lhes bem, com vista a essa vida futura onde, nascidos sob uma forma nova, participarão em debates semelhantes.
- Estás a falar de um tempo muito próximo!
- E que não é nada - retorqui - em relação à eternidade. Não obstante, que a maioria das pessoas não se deixem persuadir por esses discursos, nada tem de surpreendente, porquanto nunca viram acontecer o que dizemos; pelo contrário, só ouviram frases de uma simetria rebuscada, em vez de conversas espontaneamente motivadas como as nossas. Mas o que nunca viram foi um homem tão perfeitamente quanto possível identificado com a virtude - nos actos e nas palavras -, não achas?
- Não, nunca.
- E também assistiram pouco, bem-aventurado amigo, a belos e livres debates, onde se procura a verdade com paixão e por todos os meios, com o único objectivo de conhecê-la, e onde se presta homenagem de muito longe às elegâncias, às subtilezas e a tudo o que só tende a originar a opinião e a disputa nos debates judiciais e nas conversações privadas.
- Por certo que não.
- São estas as reflexões que nos preocupavam e nos faziam recear falar; contudo, forçados pela verdade, dissemos que não se devia esperar ver cidade, governo nem mesmo homem, perfeitos antes que uma propícia necessidade obrigue, a bem ou a mal, esse pequeno número de filósofos, que se considera não perversos mas inúteis, a encarregarem-se do governo do Estado e a responderem ao seu apelo - ou que uma inspiração divina encha os filhos dos soberanos e dos reis ou os próprios príncipes de um amor sincero pela verdadeira filosofia.