- E noto agora, depois de ter falado da ciência dos números, quanto ela é bela e útil, em muitos aspectos, ao nosso propósito, contanto que seja estudada para conhecer, e não para traficar.
- Que admiras tanto nela?
- o poder, de que acabo de falar, de dar à alma um vigoroso impulso para a região superior e obrigá-la a raciocinar sobre os números em si mesmos, sem nunca admitir que se introduzam nos seus raciocínios números visíveis e palpáveis. Sabes bem o que fazem as pessoas hábeis nesta ciência: quando se tenta, durante uma discussão, dividir a unidade propriamente dita, riem-se e deixam de ouvir. Se a dividires, multiplicam-na, com medo de que já não apareça como una, mas como um conjunto de partes.
- É muito verdade - disse ele.
- Que julgas que responderiam, Gláucon, se alguém lhes perguntasse: «Homens maravilhosos, de que números falais? Onde estão essas unidades, tais como as imaginais, todas iguais entre si, sem a mínima diferença, e que não são formadas de partes?»
- Responderiam, julgo eu, que falam desses números que só se podem apreender pelo pensamento e que não podem ser usados de nenhuma outra maneira.
- Vês assim, meu amigo, que esta ciência parece ser-nos realmente indispensável, visto que é evidente que obriga a alma a servir-se da pura inteligência para alcançar a verdade em si mesma.
- Sim, está notavelmente apta a produzir esse efeito.
- Mas não notaste que os calculadores natos estão naturalmente preparados para compreender todas as ciências, por assim dizer, e que os espíritos rudes, quando treinados e exercitados no cálculo, mesmo quando não tiram disso qualquer outra vantagem, ganham, pelo menos, a de adquirir mais penetração?
- É incontestável - respondeu.
-Aliás, julgo que seria difícil encontrar muitas ciências que custem mais a aprender e a praticar do que esta.
- Com certeza.
- Por todos estes motivos, não devemos desprezá-la, mas formar nela os melhores caracteres.
- Sou da tua opinião.
- Eis, pois - continuei -, uma primeira ciência adoptada; vejamos se a segunda, que se liga a ela, também nos interessa.
- Qual? - perguntou. - Referes-te à geometria?
- Exactamente - respondi.
- Na medida em que se relaciona com as operações da guerra, é e dente que nos interessa; com efeito, para assentar um acampamento, tomar praças fortes, cerrar ou espalhar um exército e obrigá-lo a executar todas as manobras que são habituais nas batalhas ou nas marchas, o mesmo general diferentemente superior, consoante é ou não é geómetra.