- Assim, o excesso de liberdade conduz a um excesso de servidão, tanto no indivíduo como no Estado.
- É o que parece - disse ele.
- Verosimilmente, a tirania não derivou de nenhum outro governo senão da democracia, seguindo-se a uma liberdade extrema, penso eu, uma extrema e cruel servidão.
- É lógico.
- Mas creio que não era isso que tu me perguntavas. Queres saber que mal é esse, comum à oligarquia e à democracia, que reduz a última à escravidão.
- É verdade.
- Pois bem! Entendia por isso essa raça de homens ociosos e pródigos, uns mais corajosos, que vão à frente, outros mais cobardes, que os seguem. Comparámo-los a zângãos, os primeiros munidos, os segundos desprovidos de aguilhão.
- E com justeza - disse ele.
- Ora, estas duas espécies de homens, quando aparecem num corpo político, perturbam-no totalmente, como fazem a fleuma e a bílis no corpo humano. É preciso que o bom médico e legislador da cidade tome previamente as suas cautelas, tal como o prudente apicultor, em primeiro lugar, para impedir que elas aí nasçam, ou, se não o conseguir, para as suprimir com os próprios alvéolos.
- Sim, por Zeus! - exclamou. - É isso mesmo que se deve fazer.
- Agora - prossegui - sigamos este processo, para vermos mais claramente o que procuramos.
- Qual?
- Dividamos, em pensamento, uma cidade democrática em três classes, que, aliás, possui na realidade. A primeira é essa casta que, em consequência do desregramento público, não se desenvolve menos do que na oligarquia.
- É verdade.
- Com a diferença de que é muito mais ardente.
- Por que motivo?
- Na oligarquia, desprovida de crédito e mantida à margem do poder, fica inactiva e não ganha força; numa democracia, pelo contrário, é ela que governa quase exclusivamente; os mais ardentes do bando discorrem e actuam; os outros, sentados junto da tribuna, zumbem e fecham a boca ao contradito r; de modo que, num tal governo, todos os assuntos são regulados por eles, com excepção de um pequeno número.
- É exacto - disse ele.
- Há também uma outra classe que se distingue sempre da multidão.
- Qual?
- Como toda a gente trabalha para enriquecer, os que são naturalmente mais ordenados tornam-se, em geral, os mais ricos.
- Aparentemente.
- É aí, suponho, que o mel abunda para os zângãos e que é mais fácil de extrair.
- Com efeito, como se poderia tirá-lo daqueles que pouco têm?