- O ponto essencial - respondeu - foi esquecido.
- Pois bem! - retorqui. - De acordo com o provérbio, que o irmão socorra o irmão! Se Gláucon esqueceu algum ponto, ajuda-o. Contudo, ele disse o suficiente para me pôr fora de combate e na impossibilidade de defender a justiça.
- Desculpa vã - disse ele. - Ouve, mais isto. Com efeito, é preciso que eu exponha a tese contrária à que ele defendeu, a tese daqueles que louvam a justiça e censuram a injustiça. Ora, os pais recomendam aos filhos que sejam justos e assim fazem todos os que são responsáveis por almas, louvando não a justiça em si mesma, mas a reputação que ela proporciona. a fim de que aquele que parece justo obtenha, devido a essa reputação, os cargos, as alianças e todas as outras vantagens que Gláucon enumerou como ligados a uma boa fama. E essas pessoas levam ainda mais longe os benefícios da aparência. Falam como o bom Hesíodo e Homero. Com efeito, o primeiro diz que, para os justos, os deuses fazem que
Os carvalhos tenham bolotas nos altos ramos e abelhas no tronco;
acrescenta que, para eles,
as ovelhas se dobram ao peso da lã
Os que têm muitos outros bens semelhantes. O segundo usa mais ou menos a mesma linguagem. Fala de alguém como
de um rei irrepreensível que, temendo os deuses, observa a justiça; e para ele a terra negra produz: trigos e cevadas, arvores dobradas ao peso dos frutos; o rebanho cresce e o mar oferece os seus peixes.
»Museu e o seu filho, da parte dos deuses, concedem aos justos recompensas ainda maiores. Conduzindo-os ao Hades, introduzem-nos no banquete dos santos, onde, coroados de flores, os fazem passar o tempo a embriagar-se, como se a mais bela recompensa da virtude fosse uma embriaguez eterna. Outros prolongam as recompensas concedidas pelos deuses; dizem, com efeito, que o homem piedoso e fiel aos seus juramentos revive nos filhos dos seus filhos e na sua posteridade. É assim, e em termos semelhantes, que fazem o elogio da justiça. Quanto aos Impios e injustos, mergulham-nos na lama do Hades e condenam-nos a transportar água num crivo; durante a vida, votam-nos à infâmia, e todos esses castigos que Gláucon enumerou a propósito dos justos que parecem injustos são aplicados aos maus; não conhecem outros. Tal é a sua maneira de louvar justiça e censurar a injustiça.