- Os nossos atletas guerreiros - prossegui - têm necessidade de um regime mais apurado, para que se mantenham, como os cães, sempre alerta, vejam e ouçam com a maior acuidade e, embora mudando frequentemente de bebida e comida, conservem uma saúde inalterável.
- É o que parece.
- Ora, a melhor ginástica não é irmã da música simples de que falávamos há momentos?
- Que queres dizer?
- Que uma boa ginástica é simples, sobretudo quando se destina a guerreiros.
- Como?
- Poderíamos - respondi - aprendê-lo em Homero. Sabes, com efeito, que, quando obriga os seus soldados a comerem em campanha, não os farta de peixes, embora estejam perto do mar, no Helesponto, nem de carnes preparadas, mas simplesmente de carnes assadas, de preparação muito fácil para os seus soldados; com efeito, pode-se dizer que é mais fácil servir directamente do lume do que transportar consigo utensílios.
- Sim, com certeza.
- Segundo creio, Homero nunca se referiu a temperos. Os outros atletas não sabem que para se manterem em boa forma devem abster-se de tudo isso?
- E é com razão - disse ele - que o sabem e se abstêm.
- Quanto à mesa siracusana e aos variados pratos da Sicília, não parece, meu amigo, que os aproves, se consideras os nossos preceitos acertados.
- Não.
- Também não aprovarás que homens que devem manter-se em boa forma tenham por amante uma rapariga de Corinto?
- De maneira nenhuma.
- Nem que se entreguem às famosas delícias da pastelaria ática?
- Não, necessariamente.
- Com efeito, comparando uma tal alimentação e um tal regime à melopeia e ao canto em que entram todos os tons e todos os ritmos, faríamos, creio eu, uma comparação justa.
- Sem dúvida.
- Aqui, a variedade provoca o desregramento; ali, engendra a doença. Pelo contrário, a simplicidade na música torna a alma moderada e, na ginástica, o corpo saudável.
- Nada mais verdadeiro - disse ele.
- Mas, se o desregramento e as doenças se multiplicarem numa cidade, não se abrirão muitos tribunais e clínicas? O pleito e a medicina serão apreciados quando os homens livres a eles se entregarem em grande número e com entusiasmo.
- Como poderia ser de outro modo?
- Ora, há maior prova do vício e da baixeza da educação numa cidade do que a necessidade de médicos e juízes hábeis, não só para as pessoas vulgares e os artesãos, mas também para os que se vangloriam de ter recebido uma educação liberal?
