Onde estiveste?
Não era de bom-tom, para Rompão Marinho, comer fosse o que fosse durante os quatro meses que passava nas praias, e por isso andava em geral de mau humor. Matcá sabia que o melhor era não retorquir. Olhou em redor e arrulhou:
- Que boa ideia tiveste! Voltaste a tomar o velho sítio.
- Parece-me que sim - disse Rompão Marinho. - Olha para mim!
Estava arranhado e sangrava em vinte pontos, tinha um olho quase cego e os flancos rasgados em tiras.
- Oh, que homens, que homens! - disse Matcá, abanando-se com a barbatana traseira. - Porque não haveis de ter juízo e ocupar tranquilamente os vossos lugares? Parece que tens andado a bater-te com a orca.
- Não tenho feito outra coisa senão bater-me desde meados de Maio. A praia está vergonhosamente apinhada este ano. Já encontrei pelo menos cem focas da praia de Lucanon à procura de casa. Porque não há-de cada um ficar na sua terra?
- Já muitas vezes me tenho lembrado de que seríamos muito mais felizes se saíssemos na ilha das Lontras em vez de virmos para este sítio apinhado - disse Matcá.
- Bah! Só os holuchiqui vão para a ilha das Lontras. Se para lá fôssemos, haviam de dizer que tínhamos medo. Temos de manter as aparências, minha querida.
Rompão Marinho recolheu orgulhosamente a cabeça entre os gordos ombros e fingiu adormecer durante alguns minutos, mas sem deixar de estar alerta para um combate. Agora, que todas as focas com suas mulheres estavam em terra, podiam-se ouvir os clamores no mar, a milhas dali, por cima das mais violentas ventanias. Pelos cálculos mais baixos, havia para cima de um milhão de focas na praia - focas velhas, focas mães, bebezinhos e holuchiqui, a bater-se, a brigar, a balir, a rastejar e a brincarem umas com as outras -, descendo para o mar e subindo de lá em magotes -, regimentos, cobrindo todos os palmos de terreno até onde a vista podia alcançar e escaramuçando por todos os lados em brigadas, através do nevoeiro.