- A sua despensa não fica longe. Vai desculpar-me um minuto, por favor.
E, sem esperar pela minha resposta, empurrou a porta, que se fechou atrás dele com um estalido de metal.
Foi tal o efeito deste estalido que o meu coração parou.
Invadido por um terror súbito, gelado pelo pressentimento de uma abominável traição, corri para a porta: faltava a maçaneta do lado do interior.
- Acudam-me! - gritei. - Deixe-me sair!
- Não tenha medo. Está tudo bem. Sobretudo, não faça barulho - respondeu-me do corredor a voz do meu anfitrião.
- Não quero ficar assim fechado sozinho.
- A sério?
Ouvi-o estoirar de riso.
- Fique descansado que não ficará muito tempo sozinho.
- Deixe-me sair, senhor - repeti com cólera. - Não admito brincadeiras destas.
- Mas é a palavra - disse ele com uma risada de ódio. Então, de súbito, no meio do estrondo da tempestade, ouvi ranger a roda sob o impulso da manivela e a grade mover-se através da fenda da parede.
Deus do céu! Everard King lançava sobre mim o gato do Brasil.
À luz da lanterna, vi os varões a deslizar lentamente diante de mim. Havia já na outra extremidade uma larga abertura. Com um grito agudo, agarrei no varão mais próximo, puxei com a energia de um louco. Louco estava eu já de horror, de furor, de pavor. Durante um minuto, ou mesmo mais, imobilizei o varão. Mas senti que King se apoiava com toda a força na manivela: a força da alavanca acabaria fatalmente por vencer-me. Cedia centímetro a centímetro, com os pés a deslizarem nas lajes. Contudo, implorei o bandido. Supliquei-lhe que me poupasse a esta morte atroz. Roguei-lhe em nome do nosso parentesco. Recordei-lhe que era seu convidado. Pedi-lhe que me dissesse que mal lhe tinha feito. Ele só me respondia com empurrões no mecanismo; e cada um dos seus esforços, apesar da minha resistência, alargava mais um varão na abertura.