Aliás, voltou-se de imediato; e, rosnando, enfrentando-me, encolheu-se para outro salto.
O minuto era decisivo. Instruído pela experiência, o animal, desta vez, calcularia melhor. Eu devia agir sem delongas e sem medo se queria jogar a minha derradeira oportunidade. Num ápice, arquitectei o meu plano. Despi a casaca e atirei-a à cabeça do meu adversário; ao mesmo tempo, deixei-me cair no chão, pendurado no primeiro varão da grade dianteira e puxei-a com uma energia frenética.
Cedeu mais facilmente do que eu teria julgado. Comecei a correr, arrastando-a comigo. Naturalmente, encontrava-me ainda fora da jaula, senão bastar-me-ia afastar-me são e salvo; assim, houve um segundo em que tive de parar e sustar a grade para tentar passar no intervalo ainda livre. O animal não precisou de mais e, sacudindo o seu véu, atirou-se. Precipitei-me através da abertura, empurrei atrás de mim os varões e, antes de ter passado inteiramente, uma patada terrível raspou-me a barriga da perna. No instante seguinte, ensanguentado, desfalecido, jazia na liteira imunda; mas a grade opunha uma barreira intransponível aos saltos exasperados do gato.
Demasiado ferido para me mexer, demasiado fraco para sentir ao menos o aguilhão do pavor, só podia ficar ali, mais morto do que vivo, e observar o animal. O seu largo peitoral negro comprimia-se de encontro aos varões e, com as patas aduncas procurava-me como faz um gato doméstico perante uma ratoeira. Lacerava-me as roupas mas, apesar dos seus esforços para chegar mais longe, não conseguia atingir-me. Ouvi falar do curioso efeito de entorpecimento que acompanha os ferimentos feitos pelos grandes carnívoros. Experimentei-o em mim próprio; qualquer sentimento de personalidade achava-se abolido em mim e interessava-me pelas tentativas do gato como se fossem um jogo cujo espectáculo me era oferecido.
