Levei vários meses a recuperar, se é que posso dizer-me bem recuperado porque, até ao fim dos meus dias, deverei, para caminhar, socorrer-me com uma bengala, em lembrança dessa horrível noite com o gato do Brasil. Baldwin, o servente, e os outros criados aperceberam-se vagamente do que se tinha passado quando, atraídos pelos gritos do patrão, me avistaram atrás dos varões e viram os restos de King, ou o que depois reconheceram serem os restos, entre as garras do monstro que ele criara. Tiveram, antes de poderem socorrer-me, de afastar o gato com ferros em brasa e matá-lo com tiros de espingarda. Transportaram-me para o meu quarto e aí, debaixo do tecto daquele que tinha maquinado a minha perda, permaneci várias semanas entre a vida e a morte. Haviam mandado chamar um cirurgião a Clipton, uma enfermeira a Londres; decorrido um mês, fiquei em condições de ser conduzido à estação e daí para Grosvenor Mansions.
Guardo deste período uma lembrança que ligaria às alucinadas imaginações do delírio se não existisse tanta fixidez na minha memória. Uma noite em que a minha enfermeira estava ausente, a porta do quarto abriu-se; uma mulher alta, de luto carregado, entrou. Aproximou-se, inclinou para mim um rosto empalidecido e reconheci na penumbra a mulher do meu primo, a brasileira. Fitava-me com uma bondade de que não a julgava capaz. Perguntou:
- Está a ouvir-me?
Inclinei ligeiramente a cabeça. Ainda estava muito fraco!
-Lastimo-o do fundo do coração - disse ela.