Os seus olhinhos claros, profundamente enterrados no rosto carnudo, cintilavam de inteligência e de uma curiosidade jamais satisfeita; mas eram os olhos de um sensual e de um egocêntrico. E já chega por sua conta, porque morreu hoje, o pobre diabo: morreu no momento exacto em que estava persuadido de que tinha descoberto, enfim, o elixir da vida. Aliás, o meu propósito não é apresentar o seu temperamento complexo; gostaria, sim, de contar um incidente inexplicável que ocorreu durante uma visita que lhe fiz no início da Primavera de 1882.
Tinha conhecido Dacre em Inglaterra, pois havia começado as minhas pesquisas na sala assíria do Museu Britânico na época em que ele se esforçava por dar um sentido místico e esotérico às tábuas de Babilónia, e esta comunidade de interesse tinha-nos aproximado. Observações ocasionais haviam originado discussões quotidianas e, em suma, acabámos por criar laços de amizade. Eu tinha-lhe prometido que iria visitá-lo na minha próxima passagem por Paris. Quando pude cumprir o prometido, estava instalado numa pensão em Fontainebleau; os comboios nocturnos não eram práticos e por isso ele pediu-me que passasse a noite em sua casa.
- Apenas tenho esta cama para lhe oferecer - disse-me, indicando um largo divã na grande sala. - Espero que, apesar disso, consiga dormir confortavelmente.
Singular quarto de dormir, com as paredes todas cobertas de volumes castanhos! Mas para o leitor que eu era, este cenário era muito agradável e adorava o cheiro subtil que um velho livro emite. Respondi-lhe que não podia desejar quarto mais aprazível nem ambiente mais simpático.
- Se esta instalação é tão pouco prática como convencional, pelo menos custou-me caro - disse-me ele enquanto deitava um olhar circular às prateleiras.