Entregou-a ao homem de preto. No mesmo momento, um dos criados aproximou-se; segurava num objecto escuro, cuja vista, mesmo no meu sonho, me fez lembrar uma coisa. Era um funil de cabedal. Com uma energia abominável enterrou-o... Mas fui incapaz de suportar mais. Os meus cabelos eriçaram-se de horror. Contorci-me, debati-me, quebrei os laços e emergi na consciência soltando um grito...
Dei por mim a tremer de terror na grande biblioteca; a Lua espelhava a sua luz empalidecida através da janela e projectava nervuras de negro e prata na parede oposta. Oh, que alívio sentir-me de regresso ao século XIX, de verificar que tinha trocado esta sala medieval por um mundo cujos habitantes possuíam um coração capaz de inspirar-lhes sentimentos de humanidade! Sentei-me no meu divã, ainda a tremer, o espírito partilhado entre a gratidão e o pavor. Pensar que coisas daquelas aconteciam, que tinham podido acontecer, sem que Deus atingisse os celerados que as executavam! Tratava-se de uma ficção nascida da minha imaginação ou de um acontecimento que ocorrera realmente nos sombrios dias de crueldade da História do mundo? Escondi a cabeça nas minhas mãos frementes. E depois, de súbito, o meu coração cessou de bater e nem sequer pude gritar, a tal ponto me encontrava aterrorizado. Através da escuridão da biblioteca, alguém avançava para mim.
Uma acumulação de horrores abate a razão humana.
Incapaz de raciocinar, de orar, permaneci gelado a contemplar de olhos esbugalhados a silhueta escura que se aproximava. Atravessou um raio de luar; então recuperei a respiração. Era Dacre; li no seu rosto que estava tão assustado como eu.
- Era o senhor? Em nome do Céu, o que sucedeu? - perguntou-me numa voz emocionada.
- Oh, Dacre, como fico contente por vê-lo! Desci ao inferno.
