Nem mesmo um bater de pés violento ou a queda de um corpo produziam o mais ligeiro ruído. Outra característica era o tom mortiço das suas cores e da luz, que parecia ser sempre passada por uma peneira. Nem sequer o mobiliário apresentava um gosto uniforme. Dir-se-ia que quando o jovem banqueiro tinha já esbanjado milhares de libras naquele salão íntimo, naquele estojo para a jóia de que era proprietário, se dera subitamente conta de que não havia calculado os custos e de que não prosseguira com receio da bancarrota. Todo o luxo se achava concentrado na parte da sala que dava para a rua concorrida que passava por baixo. Em contrapartida, no lado contrário, a sala estava nua, espartana e reflectia antes os gostos de um homem sumamente ascético e não os de uma mulher amante do prazer. Talvez por tal motivo ela apenas passava nesta divisão algumas horas por dia, duas umas vezes, quatro noutras ocasiões; mas sempre que ali estava vivia intensamente e Lucille Mason era, no interior daquele quarto de pesadelo, uma mulher muito diferente do que era fora dali. E também muito mais perigosa.
Perigosa! Era esta a palavra exacta. Ninguém, que tivesse visto o seu corpo delicado a repousar na enorme pele de urso que revestia o sofá, teria duvidado da sua perigosidade. Lucille descansava sobre o cotovelo do braço direito e apoiava o queixo fino, mas voluntarioso, na palma da mão, ao passo que os olhos, rasgados e lânguidos, adoráveis, mas inexoráveis, fitavam em frente com uma firme intensidade que tinha algo de confusamente espantoso. O seu rosto era encantador, o rosto de uma menina; mas a Natureza tinha colocado nesse rosto uma marca subtil, uma certa expressão indefinível, que denunciava o demónio que se escondia no interior. Já fora notado que os cães retrocediam quando ela se aproximava e que as crianças começavam a chorar e fugiam quando pretendia acariciá-las.
