Tive a prova disto na manhã seguinte. Mrs. Everard King, na sua incompreensível aversão por mim, assumira a meu respeito, durante o almoço, uma atitude quase ofensiva. Assim que o marido abandonou a sala, ela dirigiu-me estas simples palavras destituídas de artifício:
- O melhor comboio durante o dia é o do meio-dia e quinze...
- Mas eu não pensava ir-me embora hoje - repliquei em tom de desafio, decidido como estava a não me deixar pôr na rua por esta mulher.
- Oh!, se só tem que ver com o senhor... Calou-se, os olhos carregados de insolência.
- Estou certo - prossegui -, de que, se abusasse do seu acolhimento, mr. King saberia dizer-mo.
- O que há? O que é que se passa? - disse uma voz. Everard King tinha voltado. Escutara as minhas últimas palavras; um olhar lançado à mulher e a mim fizera-o compreender o resto. Num segundo, o seu gordo rosto jovial assumiu uma expressão de ferocidade.
- Posso pedir-lhe o favor de deixar-nos sós, Marshall? - disse ele.
Fechou a porta atrás de mim e ouvi-o um instante a repreender asperamente a mulher, em voz baixa, num tom de furor concentrado. Aquele grave atropelo às leis da hospitalidade tocara-lhe evidentemente no ponto sensível. Como não estava habituado a escutar às portas, fui dar uma volta pelo relvado. Mas em breve ouvi passos precipitados atrás de mim: mrs. Everard King avançava, pálida de emoção, os olhos avermelhados devido às lágrimas.
- O meu marido pediu-me para lhe apresentar desculpas, Marshall King - disse-me ela, parando diante de mim, de olhos baixos.
- Rogo-lhe que não acrescente mais uma palavra, mrs. King.
Os seus olhos sombrios lançaram subitamente chamas.
- O senhor está louco! - pronunciou num tom febril, numa voz sibilina. - Tanto pior para si, foi o senhor que o quis.