Em paga, deixava-me discorrer sobre recordações pessoais da minha vida em Londres. Interessava-se ao ponto de jurar que iria proximamente pedir-me hospitalidade em Grosvenor Mansions. Manifestava o mais vivo desejo de conhecer a grande vida londrina; e ser-me-á permitido dizer que não podia escolher para isso melhor guia.
Foi só no derradeiro dia da minha visita que me atrevi a abordar com ele a questão delicada. Contei-lhe os meus embaraços de dinheiro, a minha ruína iminente e pedi-lhe um conselho, não sem esperar algo mais sólido. Escutou-me com uma atenção concentrada, extraindo longas baforadas de fumo do charuto.
- Mas é seguro - interrogou-me -, que vai ser o herdeiro do nosso parente comum, lorde Southerton?
- Tenho todas as razões para crer que sim, embora ele nunca me tenha oferecido um cêntimo.
- Sim, conheço a sua avareza. Meu pobre Marshall, a sua situação, tal como ma descreve, é muito penosa. A propósito: teve recentemente notícias da saúde de lorde Southerton?
- Recentemente, não, mas sempre o conheci com uma saúde precária.
- A mola range, mas resiste. A sua herança pode ter de esperar. Meu caro, em que triste posição se encontra!
- Esperava um pouco que, conhecedor dos factos, não se importasse de...
- Nem mais uma palavra, meu pequeno! - exclamou Everard King com uma franqueza encantadora. - Tornaremos a falar nisso esta noite. Dou-lhe a minha palavra de que tudo o que me for possível fazer, fá-lo-ei.
Via sem mágoa a minha visita chegar ao fim: é sempre desagradável, numa casa, sentir que uma pessoa deseja ardentemente a nossa partida. O rosto pálido e os olhos hostis de mrs. King exprimiam-me incessantemente cada vez mais ódio. Com receio do marido, abstinha-se de qualquer demonstração demasiado viva; mas levava o furor ciumento ao ponto de ignorar-me, nunca me dirigindo a palavra e esforçando-se por tornar-me a estada em Greylands perfeitamente insuportável.