Amor de Perdição - Cap. 7: Capítulo 7 Pág. 41 / 145

Os assassinos, a dez passos, viram de frente erguerem-se os dois vultos, e ladearam cada qual para seu lado, um galgando os socalcos de uma vinha, o outro atirando-se a uns silveirais.

– Atira ao da esquerda! – disse João da Cruz.

Foram simultâneas as explosões. A pontaria do ferrador fez logo um cadáver. Os balotes do arrieiro não estremaram o outro entre o carrascal onde se embrenhara.

A este tempo assomava Simão no teso donde lhe tinham atirado, e corria ao ponto onde ouvira os segundos tiros.

– É vossa senhoria, fidalgo? – bradou o ferrador.

– Sou.

– Não o mataram?

– Creio que não – respondeu Simão.

– Este desalmado deixou fugir o melro – tornou João da Cruz – mas o meu lá está a pernear na vinha. Sempre lhe quero ver as trombas…

O ferrador desceu os três socalcos da vinha, e curvou-se sobre o cadáver, dizendo:

– Alma de cântaro, se eu tivesse duas clavinas, não ias sozinho para o Inferno.

– Anda daí! – disse o arrieiro – deixa lá esse diabo, que o senhor doutor está ferido num ombro. Vamos depressa que está o sangue a escorrer-lhe.

– Eu vi duas cabeças a espreitarem-me de cima da ribanceira, e cuidei que eram vocês – disse Simão, enquanto o ferrador, com a destreza de hábil cirurgião, lhe enfaixava com lenços o braço ferido.

– Parei o cavalo, e disse: «Olé! há novidade?» Logo que me não responderam, saltei para terra; mas ainda eu tinha um pé no estribo quando me fizeram fogo. Quis saltar à ribanceira, mas não pude romper o mato. Dei uma volta grande para achar subida, e foi então que dei fé de estar ferido…

– Isto é uma arranhadura – disse João da Cruz. – Olhe que eu sei disto, fidalgo! Estou afeito a curar muitas feridas.

– Nos burros, mestre João? – disse o ferido, sorrindo.

– E nos cristãos também, senhor doutor. Olhe que houve em Portugal um rei que não queria outro médico senão um alveitar. Hei-de mostrar-lhe o meu corpo que está uma rede de facadas, e nunca fui ao cirurgião. Com ceroto e vinagre sou capaz de ir ressuscitar aquele alma do diabo que ali está a escutar a cavalaria.





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