- Receio muito que se repita comigo o caso bíblico da mulher de Putifar. Acredita que há um certo mérito em lhe resistir, porque a mulher, estanqueira como é, é lindíssima. E tenho medo que suceda algum fracasso à minha pobre virtude... 
Luísa interrompeu-se, e olhou Sebastião com um olhar terrível. 
- São brincadeiras! - balbuciou ele. 
Ela seguiu, lendo: 
- Olha, se a Luísa soubesse desta aventura! De resto, o meu sucesso não pára aqui: a mulher do delegado faz-me um olho dos diabos! É de Lisboa, de uma gente Gamacho, que parece que mora para Belém, conheces? E dá-se ares de morrer de tédio, na tristeza provinciana da localidade. Deu uma soirée em minha honra, e em minha honra, creio também, decotou-se. Muito bonito colo. 
Luísa fez-se escarlate. 
- É uma queda do diabo... 
- Está doido! - exclamou ela. 
- E aqui tens o teu amigo feito um D. Juan do Alentejo, e deixando um rasto de chamas sentimentais por essa província fora. O Pimentel recomenda-se... 
Luísa ainda leu baixo algumas linhas, e erguendo-se bruscamente, dando a carta a Sebastião: 
- Muito bem, diverte-se! - disse com uma voz sibilante. 
- São lá coisas que se tomem a sério! Não deve tomar a sério... 
- Eu! - exclamou ela. - Acho muito natural até! 
Sentou-se, começou, com volubilidade, a falar de outras coisas, de D. Felicidade, de Julião... 
- Trabalha muito agora para o concurso - disse Sebastião. - Quem não tenho visto é o Conselheiro. 
- Mas, quem é essa gente Gamacho, de Belém? 
Sebastião encolheu os ombros - e com um ar quase repreensivo: 
- Ora, realmente tomou a sério... 
Luísa interrompeu-o: 
- Ah! Sabe? Meu primo Basílio partiu. 
Sebastião teve um alvoroço de alegria. 
- Sim? 
- Foi para Paris; não creio que volte.