O Primo Basílio - Cap. 14: CAPÍTULO XIV Pág. 367 / 414

Nem um corpinho bonito para vestir...

A Sra. Margarida tinha predileções artísticas. Gostava de um bonito corpo de dezoito anos, uma mocinha fresca para lavar, escarolar, enfeitar... Entrouxava à má cara a gente velha. Mas com as raparigas novas esmerava-se: acatitava as pregas da mortalha; calculava o chique de uma flor, de um laço; trabalhava com os requintes ajanotados de uma modista do sepulcro.

A estanqueira contou-lhe muitas particularidades sobre a Juliana, os favores dos patrões, as tafularias dela, os luxos do quarto tapetado... A Sra. Margarida dizia-se "banzada". E para quem agora iria tudo aquilo? - perguntavam. - A Tripa Velha não tinha parentes...

- Era uma riqueza para a minha Antoninha! - disse a amortalhadeira traçando o xale com tristeza.

- Como vai ela, a pequena?...

- Aquilo vai mal, Sra. Helena. Aquela cabeça doida! - E exalando a sua dor com loquacidade: - Deixar o brasileiro que a trazia nas palminhas... E por quem? Por aquele desalmado, que lhe come tudo, que já lhe arranjou um filho e que a derreia com pau... Mas então, as raparigas são assim... Vão atrás do palmo de cara... Que ele é bonito rapaz! Mas um bêbedo!... Coitada!... Pois vou vestir a boneca, Sra. Helena. - E entrou na casa compungidamente.

O padre já chegara também. Estava na sala com Sebastião, que conhecia de Almada, e falava de lavoura, de enxertos, das regas, numa voz grossa - passando, com um gesto lento da sua mão cabeluda, o lenço enrolado por debaixo do nariz. As janelas em toda a casa estavam abertas ao sol muito doce. Os canários chilreavam.

- E estava há muito tempo na casa, a defunta? - perguntou o padre a Jorge, que passeava pela sala, fumando.

- Há quase um ano.

O padre desdobrou lentamente o lenço, e sacudindo-o, antes de se assoar:

- A sua senhora há de sentir muito.





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