Os Maias - Cap. 15: Capítulo 15 Pág. 507 / 630

Travou do braço do Ega, puxou-o para um canto da janela:

- É necessário falar baixo por causa da rapaziada de província... há outra deliciosa. Eu não me lembro bem, o Neves é que sabe!

É uma coisa da Liberdade conduzindo à mão o corcel do Progresso... O quer que seja assim, uma imagem equestre! A Liberdade com calções de jockey, o Progresso com um grande freio... Espantoso! Que besta, aquele Gouvarinho! E os outros, menino, os outros!

Você não foi à camara quando se discutiu a questão de Tondela? Extraordinário! O que se disse! Foi de morrer! E eu morro! Esta política, este S. Bento, esta eloquência, estes bacharéis matam-me. Querem dizer agora aí que isto por fim não é pior que a Bulgária.

Histórias! Nunca houve uma choldra assim no universo!

- Choldra em que você chafurda! observou o Ega rindo.

O outro recuou com um grande gesto:

- Distingamos! Chafurdo por necessidade, como político: e troço por gosto, como artista!

Mas Ega justamente achava uma desgraça incomparável para o país - esse imoral desacordo entre a inteligência e o carácter.

Assim, ali estava o amigo Gonçalo, como homem de inteligência, considerando o Gouvarinho um imbecil...

- Uma cavalgadura, corrigiu o outro.

- Perfeitamente! E todavia, como político, você quer essa cavalgadura para ministro, e vai apoiá-la com votos e com discursos sempre que ela rinche ou escoucinhe.

Gonçalo correu lentamente a mão pela gaforinha, com a face franzida:

- É necessário, homem! Razões de disciplina e de solidariedade partidária... há uns compromissos... O paço quer, gosta dele...

Espreitou em roda, murmurou, colado ao Ega:

- a aí umas questões de sindicatos, de banqueiros, de concessões em Moçambique... Dinheiro, menino, o omnipotente dinheiro!

E como Ega se curvava, vencido, cheio só de respeito - o outro, faiscando todo de finura e cinismo, atirou-lhe uma palmada ao ombro:

- Meu caro, a política hoje é uma coisa muito diferente! Nós fizemos como vocês os literatos. Antigamente a literatura era a imaginação, a fantasia, o ideal... Hoje é a realidade, a experiência, o facto positivo, o documento.





Os capítulos deste livro