A República - Cap. 4: Capítulo 4 Pág. 118 / 290

- De modo nenhum me parece que seja insignificante - observou.

- Talvez, Sócrates, o provérbio tenha razão quando diz que as coisas belas são difíceis.

- Assim parece - disse eu. - Mas quero que conheças perfeitamente, Gláucon, a minha opinião: pelos métodos de que nos servimos na presente discussão nunca atingiríamos exactamente o objecto da nossa pesquisa com efeito, é outro caminho, mais longo e complicado, que aí conduz; no entanto, talvez cheguemos a resultados dignos do que dissemos e analisámos até agora.

- Não devemos contentar-nos com isso? - perguntou. - Quanto a mim, tal me basta para já.

- Mas sem dúvida - respondi - que tal me basta também.

- Nesse caso, não desanimes - replicou. - Analisa.

- Não é absolutamente necessário convir em que, em cada um de nós, se encontram as mesmas formas e os mesmos caracteres que na cidade? Tanto mais que é a partir daí que passam para ela. Com efeito, seria ridículo pensar que o carácter irascível de certas cidades não tem a sua origem nos particulares com fama demos o possuírem, como os Trácios, os Citas e quase todos os povos do Norte - ou que não se passa o mesmo com o amor do saber, que se poderia atribuir principalmente aos habitantes do nosso país, ou com o amor das riquezas, que se atribuíra sobretudo aos Fenícios e aos Egípcios.

- Com certeza.

- É assim que as coisas se passam - prossegui - e não é difícil de compreender.

- Por certo que não.

- Mas será mais difícil decidir se é pelo mesmo elemento que realizamos cada uma das nossas acções ou determinada acção por um dos três elementos; se compreendemos por um, irritamos por outro, desejamos por um terceiro os prazeres da comida, da reprodução e todos os da nossa família, ou então, se a alma inteira intervém em cada uma dessas operações, quando somos chamados a realizá-las. Eis o que será difícil de determinar satisfatoriamente.

- Também me parece - dissemos ele.

- Tentemos então determinar se esses elementos são idênticos entre si ou diferentes.

- Como?

- É evidente que o mesmo sujeito, na mesma das suas partes, e relativamente ao mesmo objecto, não poderá produzir ou experimentar ao mesmo tempo efeitos contrários: de modo que, se descobrirmos aqui contrários, saberemos que há, não um, mas vários elementos.

- Seja.

- Analisemos então o que eu digo.

- Fala.





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