- Oh, caro Gláucon - exclamei -, com que força limpas, como estátuas, esses dois homens, para os submeteres ao nosso julgamento! - Faço o melhor que sei - replicou. - Agora, se eles são como acabo de os apresentar, creio que não é difícil descrever o género de vida que os espera. Portanto, digamo-lo; e, se esta linguagem for demasiado rude, lembra-te, Sócrates, que não sou eu quem fala, mas aqueles que colocam a injustiça acima da justiça. Eles dirão que o justo, tal como o representei, será chicoteado, torturado, acorrentado, que lhe queimarão os olhos, que, finalmente, tendo sofrido todos os males, será crucificado e saberá que não deve querer ser justo, mas parecê-lo. Assim, as palavras de Ésquilo aplicar-se-iam muito mais exactamente ao injusto; porque, na realidade, dir-se-á, - aquele cujas acções estão de acordo com a verdade e que, não vivendo falsas aparências, não que parecer injusto, mas sê-lo:
No sulco profundo do espírito
colhe a seara dos projectos felizes.
»Em primeiro lugar, governa na sua cidade, graças ao seu aspecto de homem justo; em seguida, arranja mulher onde lhe apetece, forma ligações de prazer ou de negócios com quem lhe agrada e tira proveito de tudo isso, porque não tem escrúpulos em ser injusto. Se entra em conflito, público ou privado, com alguém, fica por cima e prevalece sobre o adversário; por este meio enriquece-se, faz bem aos amigos, mal aos inimigos, oferece aos seus deuses sacrifícios e presentes com prodigalidade e magnificência e concilia, muito melhor que o justo, os deuses e os homens a quem quer agradar; por isso, convém, naturalmente, que seja mais caro aos deuses do que o justo. Deste modo, dizem eles, Sócrates, os deuses e os homens proporcionam ao injusto uma vida melhor que ao justo.
Quando Gláucon acabou de falar, dispunha-me a responder-lhe, mas o seu irmão Adimanto inquiriu:
- Achas, Sócrates, que a questão foi suficientemente desenvolvida?
- E porque não? - perguntei.