O Bobo - Cap. 2: II - Dom Bibas Pág. 11 / 191

É nesta alcáçova, cingida das suas fortificações lustrosas, virgens, elegantes, e todavia formidáveis, onde a nossa história começa. Habitavam então nela a mui virtuosa dona, e honrada rainha, D. Teresa, infanta dos Portugueses, e o mui nobre e excelente senhor Fernando Peres, conde de Trava, cônsul da terra portugalense e da colimbriense, alcaide-mor na Galiza do Castelo de Faro, e em Portugal dos de Santa Ovaia e de Soure. Era ele a primeira personagem da corte de Guimarães depois de D. Teresa, a formosíssima infanta, para nos servirmos do epíteto que em seus diplomas lhe dava o conde D. Henrique, o qual devia saber perfeitamente se esta denominação lhe quadrava. Apesar de entrada em anos, não cremos que, na época a que se refere a nossa narrativa, este epíteto fosse inteiramente anacrónico, porque nem a bastarda de Afonso VI era ainda idosa, nem devemos imaginar que a afeição de Fernando Peres fosse nua e simplesmente um cálculo ambicioso.

Esta afeição, porém, ardente e mútua, como pelo menos parecia ser, sobremaneira afiava, tempos havia, as línguas dos maldizentes. Pouco a pouco muitas graves matronas, em quem a idade fizera seu ofício de mestra da virtude, se tinham alongado da corte para suas honras e solares. Com mais alguma resignação as donzelas ofereciam a Deus o próprio sofrimento em presenciar este escândalo. Demais, a vida cortesã era tão risonha de saraus, de torneios, de banquetes, de festas! – alegravam-na tanto a chusma de cavaleiros mancebos, muitos dos quais tinham pela primeira vez vestido as armas na guerra do ano antecedente contra o rei de Leão! Além disso, que igreja havia aí, a não ser a Sé de Braga, onde as solenidades religiosas fossem celebradas com mais pompa que no Mosteiro de D. Muma, tão devotamente assentado lá em baixo no burgo? Que catedral ou ascetério tinha órgão mais harmonioso que este? Onde se podiam encontrar clérigos ou monges, que em mais afinadas vozes entoassem um gloria in excelsis, ou um exsurge domine? Culto, amor, saraus, tríplice encanto da Idade Média, como vos resistiriam estes corações inocentes? As donzelas, bem que lhes custasse, continuavam, portanto, a cercar a sua bela infanta, que muito amavam. As velhas, essas, pouco importava que tivessem desaparecido.

Tais razões, e várias outras, davam as damas a seus naturais senhores, para continuarem a viver a vida folgada do paço: aos pais a devoção; aos maridos o acatamento à mui generosa rainha, de quem eles eram prestameiros e alcaides; aos irmãos, sempre indulgentes, a paixão pelas danças e torneios, cujo engodo eles melhor ainda sabiam avaliar. Debaixo, porém, destes urgentes motivos outro havia não menos poderoso, e em que nenhuma reparava, ou que, se reparava, não se atreveria a mencionar.





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